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Para ciganos que viajam, o fim de uma festa popular em uma cidade também encerra um ciclo de comércio ambulante e de leitura de mãos. É hora de levantar acampamento, voltar para casa, ou seguir para um novo destino. Isso significa também enfrentar novos olhares desconfiados, preconceito e ficar sujeito à “boa vontade de prefeituras”.
É o que relata o presidente da União Cigana do Brasil, Mio Vacite. Mesmo sendo de um grupo que não vive em acampamentos, os Rom, ele defende melhores condições de vida para os ciganos nômades do Rio, a maioria do grupo Calom. Vacite destaca que, entre os principais problemas, está a falta de apoio das prefeituras para instalar infraestrura sanitária e luz elétrica.
“O que precisamos no Rio, e já existe em outros estados, são designações de espaços para acampamentos ciganos, pelas prefeituras, como se fossem campings”, afirmou. “Ou por doação, por comodato, ou outra forma, podemos discutir com as prefeituras e com os grupos.”
Para conseguir se manter, os ciganos precisam também da ajuda dos moradores da região onde montam acampamento. Alguns passam de porta em porta para conseguir água, outros tentam fazer bicos, negociar objetos e vender enxovais. Há também ciganas que ficam em locais mais movimentados e tentam ganhar dinheiro lendo a sorte das pessoas.
No Brasil, os ciganos nômades são minoria, geralmente do clã Calom e com poucos recursos. As tendas de lona ainda são a principal moradia e muitos vivem sem energia e água potável. Os acampamentos são instalados em espaços que nem sempre são cedidos pelas prefeituras, por isso, algumas comunidades acabam sendo expulsas por agentes de segurança pública.
Há também casos de violência e invasões sem mandado judicial. “Aqui no estado do Rio, isso aconteceu tanto que eles colocaram placas para lembrar que as barracas são invioláveis, como são as casas”, conta Vacite.
Segundo ele, com a definição de um local específico para acampar, o deslocamento dos grupos nômades, que costumam fazer os mesmos caminhos, ficaria mais fácil. “Eles são ambulantes, fazem o comércio e vão embora. Temos que cuidar desses ciganos porque eles preservam o que temos de mais importante na nossa cultura, independentemente de ascendência: a nossa liberdade e as nossas tradições”, diz.
Para Mio Vacite, como a prefeitura é notificada rapidamente da presença de acampamentos ciganos, também poderia providenciar atendimento de assistentes sociais, para avaliar as necessidades do grupo e, se for o caso, de médicas, já que, por questões culturais, ciganas se recusam a ser atendidas por homens.
Estudioso dos hábitos ciganos, o professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) Ático Vilas-Boas da Mota defende que a Lei Orgânica de cada município preveja a destinação de locais específicos para a instalação de acampamentos ciganos (estacionamentos). Assim, eles não dependeriam da boa vontade do Poder Público.
“Este é um país cheio de neocoronéis, sobretudo no Nordeste. Por isso, a Lei Orgânica dá uma segurança”, afirmou o estudioso, que já integrou o Centro de Estudos Ciganos de Paris.
Para garantir melhores condições de vida a essa minoria, o professor chegou a defender a criação de um Estatuto dos Povos Ciganos, em 1960. Entre as propostas constavam a alfabetização na língua (romanês ou dialetos), vacinação nos acampamentos e a criação de estacionamentos para os migrantes.