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A aposentada Alcina Bispo, que atualmente mora em Goiânia, está realizando um dos maiores sonhos da sua vida: Aprender a ler e a escrever.
Alcina, que tem 85 anos, conta que ficou órfã aos 9 anos de idade, casou-se aos 15 e criou 15 filhos. Foi uma vida inteira dedicada à família e por isso, não teve a chance de estudar.
“Eu tenho muita vontade de fazer meu nome, mas nunca tive a oportunidade. Cada tempo é tempo. Estou viva, e Deus vai me ajudar e vai dar tudo certo”, disse.
Há 1 ano ela se mudou para a casa do seu neto em Goiânia, Pois na capital fica mais fácil cuidar dos seus problemas de saúde. Desde então, Ricardo Pereira, 31 anos, que é professor de língua portuguesa está alfabetizando a vó.
Ricardo teve que estudar e aprender técnicas de alfabetização já que costuma dar aulas para pessoas que vão prestar concursos.
“Alfabetizar a minha avó já era um sonho antigo, tanto meu quanto dela. Infelizmente, não foi possível antes, mas, com a quarentena, eu tive a oportunidade de colocar esse projeto em prática”, afirmou.
Alcina faz 30 minutos de aula diariamente e depois estuda as letras impressas em uma folha para treinar o reconhecimento por meio da repetição. Em 10 dias de aula, ela já reconhece as vogais e faz associações.
“Tem sido engraçado e é um desafio. Ela teve dificuldade nos primeiros dias, mas tem se saído muito bem”, elogiou o neto.
Para Ricardo, poder ensinar a vó é uma forma de expressar a gratidão por tudo que ela já fez por ele. O Professor aproveitou o momento especial que está vivendo e escreveu uma carta de agradecimento para sua vó:
Ela me ensinou muita coisa do que sei, me ensinou o que significa aceitação, desde o dia em que mamãe, solteira, chegou à nossa casa, comigo nos braços.
Ela me ensinou que plantar e colher são verbos recorrentes na vida, e que o principal não é plantar, mas o modo como se planta.
Ela me ensinou a ler o tempo com a ajuda dos pássaros, me ensinou a diferenciar queijo de requeijão, abacaxi de ananás, e que Maria Isabel é a melhor comida do mundo! Ou seria o picadinho de mandioca? Talvez, o “Mucunzá” com abóbora madura e pimenta?
Ela me ensinou que leite com manga faz mal. (Isso eu descobri com a vida que era mentira! Pelo menos, para a gente, porque, apesar de experimentos científicos, ela ainda jura que é verdade! “Fulana morreu disso!”).
E me ensinou a separar gente boa de gente má. E que não se deve comer carne na Sexta-Feira da Paixão, e que honestidade é uma qualidade indispensável ao homem, diz com retidão, mesmo um pouco corcunda, por causa da idade.
Ela me ensinou que “companheirismo” é um substantivo importantíssimo nas relações, por mais que não fizesse ideia de a que raios de classe aquela palavra linda pertencia. Pertencia a ela! Assim como outras tantas palavras que ela usava para me contar as coisas da vida: sua infância sem os pais, a criação pela madrinha má, o casamento aos 15 anos, os 15 filhos que teve.
Cenas de alegria e de aprendizado e de uma vida amando o meu avô. Com ela, eu aprendi que a morte não põe fim no amor, dá pra ver a saudade escorrendo pelos seus olhos sempre que se lembra dele.
Ela me ensinou tanta coisa, que eu levaria horas para listar tanta vivência. Me ensinou a cozinhar, passar café, agir conforme os princípios éticos.
Ela me ensinou a imaginar! Eu adorava me jogar em seu colo e ficar imaginando como eram os bichos e as lendas que habitavam as florestas que ela frequentava. Confesso que imaginava, pela sua narração, a sucuri um bicho muito mais imponente, como as Anacondas dos filmes. Não era. Também não faz mal. As serpentes e os espíritos das suas histórias eram mais legais. Ela me ensinou a ler o mundo, de uma forma sofrida e encantada.
Acho que chegou a minha vez de ensinar o mesmo a ela, só que agora com letrinhas.
HURB