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Ser mãe faz parte do sonho da maioria das mulheres e, quando chega o tão esperado momento de planejar a vinda do filho, o primeiro passo é visitar o ginecologista para desvendar os “segredos” da maternidade. Mas, o problema é que elas esquecem que a saúde bucal também merece atenção especial e que a falta de cuidados com os dentes pode acarretar parto prematuro, quadros de pré-eclâmpsia (pressão alta) e até prejuízos ao bebê.
Provavelmente, você ficou surpreso com a relação de saúde bucal e gravidez, o que não é de se espantar. Os especialistas alertam que a maioria das mulheres desconhece a importância do pré-natal odontológico.
Exemplo disso é o da fisioterapeuta Fernanda Cavalcanti Lima, 38 anos, grávida de oito meses de Joaquim. Antes de engravidar, ela conta que seguiu todas as recomendações médicas — como ingestão de ácido fólico e vitaminas — para o perfeito desenvolvimento do bebê, mas admite que não se lembrou de visitar o dentista.
— Nem me passou pela cabeça fazer checkup na boca antes de engravidar. Confesso que só procurei o dentista porque há cerca de dois meses senti dor no dente. Como o incômodo não melhorou em 24 horas, fiquei com medo de que algo pudesse prejudicar o bebê.
A dor no dente foi decorrente de uma pequena cárie. Mas, a visita ao dentista também resultou no diagnóstico de um quadro leve de gengivite (inflamação da gengiva).
— A dentista fez uma limpeza e minha gengiva sangrou bastante, mas nem imaginava que poderia ser gengivite. O bom é que pude evitar problemas piores porque não demorei a procurar o profissional.
Fernanda garante que sempre teve uma boa higiene bucal, mas segundo a dentista Rosana Possobon, professora da área de psicologia aplicada da FOP – Unicamp (Faculdade de Odontologia de Piracicaba), as alterações hormonais, nutricionais, microbianas e metabólicas típicas da gestação deixam a mulher com maior predisposição às doenças gengivais.
— A gravidez não causa a doença da gengiva, mas deixa a mulher mais suscetível a ela ou pode agravar um quadro preexistente, exatamente por conta destas mudanças do próprio organismo, que não há como intervir.
Rosana acrescenta que “há fortes evidências de que mães com doença periodontal têm mais chance de ter filhos prematuros (abaixo de 37 semanas de gestação), com baixo peso (menos de 2,5 kg) e ainda desenvolver quadros de pré-eclâmpsia”.
Para o dentista Giuseppe Alexandre Romito, professor de periodontia da Faculdade de Odontologia da USP (Universidade de São Paulo), “99% dos casos de gengivite poderiam ser evitados se as mulheres fizessem o pré-natal odontológico, já que a doença é difícil de ser detectada pela própria paciente”.
— A gengivite é causada pelo acúmulo de placa — uma película viscosa e incolor de bactérias que se forma, em um período de 12 horas, nos dentes e na gengiva.
Os sintomas clássicos do quadro são gengiva vermelha, sangramento e, às vezes, inchaço. Outro sinal da doença é o recuo ou retração da gengiva, conferindo aos dentes uma aparência alongada.
Romito explica que a gengivite tem tratamento, que consiste em escovação e uso de fio dental pelo menos duas vezes por dia. Segundo o dentista, se o problema não for diagnosticado, a inflamação pode evoluir para uma periodontite e causar danos mais graves e permanentes aos dentes.
— As visitas ao dentista antes da gravidez para tratar possíveis problemas já existentes e durante a gestação para avaliar a saúde bucal, de forma geral, deveriam ser obrigatórias a cada três meses. A prevenção é sempre o melhor caminho.
Cuidado com os alimentos
Além dos fatores fisiológicos, é muito comum que durante os nove meses a mulher adote novos hábitos comportamentais, reflexo de “desejos”, mal-estar e enjoos. Diante deste cenário, a dentista da Unicamp explica que a gestante se torna mais suscetível ao desenvolvimento e à progressão da cárie.
— As alterações hormonais típicas desta fase modificam a composição salivar, diminuindo a capacidade de neutralizar o pH da boca e aumentando as chances de cárie. Além disso, na medida em que o feto se desenvolve, o estômago começa a comprimir, levando a gestante a comer pequenas quantidades de alimentos diversas vezes ao dia. Esta atitude também aumenta a probabilidade de cárie.
A dentista Marília Vanzelli, professora do curso de especialização em Ortodontia da APCD São Caetano do Sul, lembra que a escolha dos alimentos é outro fator que contribui para a lesão nos dentes. Durante a gestação, especialmente no primeiro trimestre, é comum a mulher sentir mais fome e, muitas vezes, influenciada pelo “desejo”, opta por alimentos ricos em açúcares para suprir esta necessidade nutricional.
— Uma dieta de má qualidade associada à diminuição da frequência de escovação dental é fator de risco para o desenvolvimento da cárie. Além disso, algumas mulheres dizem sentir enjoos ou mesmo vomitam durante a higienização bucal e substituem a escova de dente por um simples bochecho. Isso jamais pode ocorrer.
A negligência com a escovação é fatal para a saúde bucal. Para driblar as náuseas, eles orientam mudar o horário da higienização, experimentar novas escovas e cremes dentais ou pedir orientação ao profissional. Marília alerta que após vomitar é importante esperar cerca de dez minutos para escovar os dentes.
— É muito comum a mulher vomitar e logo depois escovar os dentes, mas esta atitude prejudica o esmalte porque o pH da boca está muito ácido neste momento. A dica é fazer um bochecho com água e esperar.
“A cada filho nascido, um dente perdido”
Antigamente, muitas mulheres acreditavam num ditado que dizia “a cada filho nascido, um dente perdido”. Claro que isso não tem comprovação científica, pois não há evidências da perda de minerais dos dentes da gestante para a constituição dos ossos do bebê. Na opinião do dentista Marco Antônio Manfredini, secretário-geral do Crosp (Conselho Regional de Odontologia), não há necessidade de suplementação de cálcio neste período.
— Durante a gestação, basta continuar usando produtos fluoretados, como creme dental com flúor. Além disso, em muitas cidades a água que bebemos já tem flúor, o que também contribui para a prevenção de cárie.
Outra crença popular que inclusive intrigou a gestante Fernanda, personagem do início desta reportagem, é que a anestesia é contraindicada durante este período.
— Confesso que fiquei receosa em relação à anestesia, mas a dentista conversou com a minha obstetra e ambas me tranquilizaram. Tratei a cárie sem sentir dor e sem prejudicar o bebê.
Segundo Marília, há anestésicos próprios para gestantes, mas “o ideal é que os tratamentos odontológicos sejam realizados durante o segundo trimestre da gestação”.
— Isso porque nos primeiros três meses o bebê ainda está em formação e alguns procedimentos devem ser evitados, entre eles, a radiografia. No último trimestre, o desconforto é mais por conta da barriga, que na posição da cadeira do dentista pode dificultar a respiração da mulher.
Para Rosana, é melhor tratar a cárie com anestesia do que deixar a gestante sofrendo com a dor.
— Isso pode aumentar os níveis sanguíneos de hormônios relacionados ao estresse, como adrenalina e cortisol, prejudicando o feto.
Para finalizar, Manfredini lembra que “o segredo é manter a boa higiene bucal, assim a grávida não terá cárie nem problemas gengivais”. E, a colega de profissão Rosana acrescenta: “a gestante que conhece os métodos preventivos de cárie e doença periodontal estará mais preparada para cuidar da saúde bucal do filho”.
R7